Lima Barreto

Sobre o autor:

Afonso Henriques de Lima Barreto, mais conhecido como Lima Barreto (Rio de Janeiro, 13 de maio de 1881 — Rio de Janeiro, 1 de novembro de 1922) foi um jornalista e escritor brasileiro, que publicou romances, sátiras, contos, crônicas e uma vasta obra em periódicos, principalmente em revistas populares ilustradas e periódicos anarquistas do início do século XX. A maior parte de sua obra foi redescoberta e publicada em livro após sua morte por meio do esforço de Francisco de Assis Barbosa e outros pesquisadores, levando-o a ser considerado um dos mais importantes escritores brasileiros.

Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1881.Era filho de João Henriques de Lima Barreto, filho de uma antiga escrava e de um madeireiro português, e de Amália Augusta, filha de escrava e agregada da família Pereira Carvalho. Ao nascer, a familia morava na rua Ipiranga, próxima ao Largo do Machado, e seu pai ganhava a vida como tipógrafo. Aprendeu a profissão no Imperial Instituto Artístico, que imprimia o periódico "A Semana Ilustrada", foi funcionário da Imprensa Oficial e publicou a tradução do Manual do Aprendiz Compositor, de Jules Claye. Sua mãe foi educada com esmero, sendo professora da 1ª à 4ª série. Ela faleceu quando ele tinha apenas 6 anos e João Henriques trabalhou muito para sustentar os quatro filhos do casal. João Henriques era monarquista, ligado ao visconde de Ouro Preto, padrinho do futuro escritor. Talvez as lembranças saudosistas do fim do período imperial no Brasil, bem como as remotas lembranças da Abolição da Escravatura na infância tenham vindo a exercer influência sobre a visão crítica de Lima Barreto sobre o regime republicano.

Em abril de 1907, Lima Barreto fez suas primeiras contribuições para uma revista de grande circulação, ao se tornar secretário da Fon-Fon, a pedido do poeta e jornalista Mário Perdeneiras. Contudo, sua estada na revista não durou muito: em junho do mesmo ano, sentido-se desvalorizado, demite-se e, em outubro, lança a revista Floreal, da qual foi o diretor e principal contribuinte. Além destas, Barreto também contribuiu para as revistas A.B.C. e Careta.

Em 1911, publicou o romance Triste Fim de Policarpo Quaresma nas páginas do Jornal do Commercio, pagando do próprio bolso a edição em livro lançada em dezembro de 1915. Nessa época, tornaram-se mais agudas as crises de alcoolismo e depressão do escritor, o que provocou sua primeira internação no hospício em 1914.

Em 1916, colaborou com a revista ABC, publicando alguns textos em periódicos de viés socialista. Passados quatro anos da primeira internação no Hospital dos Alienados devido ao alcoolismo, seus problemas de saúde pioraram e Lima Barreto foi aposentado em dezembro de 1918. No ano seguinte, 1919, publicou o romance Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá pela editora Revista do Brasil, de Monteiro Lobato.

Os períodos de internação no hospício resultaram na composição de diversos diários e no romance inacabado Cemitério dos Vivos, do qual trechos foram publicados em 1921, mesmo ano em que o autor apresentaria sua terceira candidatura à Academia Brasileira de Letras (nas duas tentativas anteriores, fora preterido; nesta última, o próprio escritor desistiria antes das eleições).

Com a saúde cada vez mais debilitada, Lima Barreto faleceu de um colapso cardíaco no dia primeiro do mês de novembro de 1922, aos 41 anos, em sua casa, no bairro de Todos os Santos do Rio de Janeiro

Seus restos mortais, bem como de seu pai (falecido 2 dias após) estão no cemitério de São João Batista, na Quadra 14 - 3º piso - Jazigo: 8024. No mesmo cemitério encontra-se o mausoléu dos imortais da Academia Brasileira de Letras.


Crítica
Muitos críticos apontam que a obra literária de Lima Barreto ora alcança altos níveis de criatividade e realização estética, ora abdica de maiores preocupações artísticas para se assumir como panfleto ou meio de documentação social, política e histórica. Antonio Candido (1918), por exemplo, observa que a concepção literária de Lima Barreto "de um lado favoreceu nele a expressão escrita da personalidade", enquanto "de outro pode ter contribuído para atrapalhar a realização plena do ficcionista". O crítico ressalta o valor de sua "inteligência voltada com lucidez para o desmascaramento da sociedade e a análise das próprias emoções", mas também afirma ser ele um escritor que não atingiu toda a sua potencialidade como narrador, sendo algumas vezes malsucedido na transposição de uma ideia numa realização literária criativa.

O crítico Osman Lins afirmou que, para além de realizações estéticas desiguais, há "certas características de ordem literária e humana que atravessam todos os seus livros – ou, até, todas as suas páginas –, dando-lhes grande homogeneidade", concluindo que "sua obra tão variada é um bloco coerente e em toda ela reconhecemos, inconfundível, nítida, a personalidade do autor".

Lima Barreto foi o crítico mais agudo da época da Primeira República Brasileira, rompendo com o nacionalismo ufanista e pondo a nu a roupagem republicana que manteve os privilégios de famílias aristocráticas e dos militares. Definindo seu projeto literário como o de escrever uma "literatura militante" — apropriando-se da expressão de Eça de Queirós — sua produção literária está quase inteiramente voltada para a investigação das desigualdades sociais, da hipocrisia e da falsidade dos homens e das mulheres em suas relações dentro da sociedade. Em muitas obras, como no seu célebre romance Triste Fim de Policarpo Quaresma e no conto "O Homem que Sabia Javanês", o método escolhido por Lima Barreto para tratar desses temas é o da sátira, cheia de ironia, humor e sarcasmo.

Em sua obra, de temática social, privilegiou os pobres, os boêmios e os arruinados, assim como a sátira que criticava de maneira sagaz e bem-humorada os vícios e corrupções da sociedade e da política. Foi severamente criticado por alguns escritores de seu tempo por seu estilo despojado e coloquial, que Manuel Bandeira chamou de "fala brasileira" e que acabou influenciando os escritores modernistas. Suas obras seguem duas vertentes principais: a sátira menipeia e o romance do realismo resgatando em ambos os formatos as tradições cômicas, carnavalescas e picarescas da cultura popular.

Para Lima Barreto, escrever tinha a finalidade de criticar o mundo circundante para despertar alternativas renovadoras dos costumes e de práticas que, na sociedade, privilegiavam certas classes sociais, indivíduos e grupos.

Em Triste Fim de Policarpo Quaresma, narra-se a história de Policarpo Quaresma, homem de inteligência mediana, mas de nacionalismo e boa-fé inabaláveis. Agindo de modo a valorizar e popularizar ideais do que ele julga ser a verdadeira cultura brasileira, Quaresma obtém da sociedade uma resposta sempre dura, sendo classificado como louco (ora inofensivo, ora perigoso). Desse modo, como observa Osman Lins, esse "é um romance sobre o desajuste entre o imaginário e o real, entre a idealização e a verdade, entre a ideia que o personagem-título faz do seu país e o que o seu país é realmente". No decorrer da obra, o autor também procura ridicularizar o apego da sociedade aos títulos, sobretudo o de bacharel, bem como as instituições políticas da época, sua burocracia e sua inoperância.

Em "O Homem que Sabia Javanês", é apresentado o caso de uma pessoa que, afirmando dominar o idioma javanês sem na realidade conhecê-lo, consegue enganar boa parte da sociedade carioca da época e até mesmo ascender na carreira política, acadêmica e diplomática com base nessa mentira; a certa altura, o personagem declara: "Imagina tu que eu até aí nada sabia de javanês, mas estava empregado e iria representar o Brasil em um congresso de sábios", trecho que representa uma crítica contundente à predominância das aparências nos meios sociais e políticos do período retratado.

Esses mesmos temas, quase sempre de ordem social, apresentam abordagens distintas em outras obras: no conto "A Nova Califórnia", a escrita de Lima Barreto ganha certos contornos macabros ao narrar a história dos habitantes de uma pequena cidade que, ao descobrirem que se poderia fabricar ouro a partir de ossos humanos, esquecem todos os seus supostos valores éticos e morais, de extrato cristão, e cometem profanações e assassinatos em função da possibilidade de riqueza e ascensão social.

Lima Barreto declara diversas vezes não aprovar nenhum tipo de preciosismo na escrita literária. Critica seu contemporâneo Coelho Neto, afirmando que "não posso compreender que a literatura consista no culto ao dicionário" e declarando que a beleza literária "não é um caráter extrínseco da obra, mas intrínseco, perante o qual aquele pouco vale. É a substância da obra, não são suas aparências" - declarações, sobretudo esta última, que indicam como eram indissociáveis a estética buscada e a ética preconizada pelo autor, que procura despir tanto a literatura quanto a sociedade de suas falsas aparências. Dessa postura, cria-se uma literatura marcada pelo coloquialismo, por um vocabulário pouco rebuscado e pela expressão direta - o que não significa desleixo ou pouca preocupação formal, mas a adequação do modo de expressão àquilo que se deseja demonstrar.

Essa crueza estilística, no caso de um romance de teor autobiográfico como Recordações do Escrivão Isaías Caminha, é a ideal para a representação dos percalços e dos preconceitos de ordem social e racial enfrentados por seu personagem em busca de ascensão na profissão de jornalista. O mesmo acontece em Cemitério dos Vivos, dura descrição da loucura e da internação em um hospício. É sobretudo nessa força e nessa tentativa de construir uma obra cujos preceitos estéticos são tão pouco disseminados na literatura brasileira, ainda afeita aos ideais de beleza do parnasianismo, que reside a singularidade da arte de Lima Barreto.


Lista de obras

Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909)
Triste Fim de Policarpo Quaresma (1911)
As Aventuras do Dr. Bogoloff (1912)
Numa e a Ninfa (1915)
Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919)
Histórias e Sonhos (1920)
Os Bruzundangas (1923), póstumo
Bagatelas (1923), póstumo
Clara dos Anjos (1948), póstumo
Diário Íntimo (1953), póstumo
Feiras e Mafuás (1953), póstumo
Marginália (1953), póstumo
Vida Urbana (1953), póstumo
Cemitério dos Vivos (1956), póstumo e inacabado
Coisas do Reino de Jambon (1956), póstumo
Impressões de Leitura (1956), póstumo
Correspondência (1956), póstumo, 2 volumes
O Subterrâneo do Morro do Castelo (1997), póstumo
Sátiras e outras subversões: textos inéditos (2016), póstumo, organizado por Felipe Botelho Corrêa

Foto: Lima

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